Aquele gol

Seu time havia perdido o título. Um campeonato que era dado como certo. O trabalho, a dedicação o empenho, foi tudo por água abaixo. Ele, o camisa nove da equipe, capitão, jogador experiente, no auge da carreira, não aceitava a derrota. Resolveu sair de casa e ir ao bar da frente beber e tentar esquecer a tragédia, afinal, já havia uma semana que não saía do apartamento.

Foi entrando, sentou-se no balcão mesmo e sem cerimônia, pediu:
– Manda um duplo, cowboy.
O barman encheu o copo, deixou cair a choradinha que mais parecia um pranto descontrolado e voltou ao trabalho. Mas antes que se virasse, ouviu:
– Manda outro…
Surpreso, mas sem esboçar tal reação, serviu o que o cliente pedira. Lá pela quarta dose, um outro homem sentou-se ao seu lado:
– Esse mundo é cruel, hein camarada?

Ao virar-se para o lado, o espanto: O sujeito era igualzinho a ele, sem tirar nem pôr, “cuspido e escarrado”. A diferença era que estava muito mais bem vestido e com uma cara ótima.
– Quem é você?!? – Perguntou meio abobalhado.
– Calma meu amigo, achei que você me reconheceria.
– Você se parece muito comigo, mas… sei lá… eu já bebi muito…
– Vou te explicar – disse o sujeito – Eu sou você se tivesse sido campeão.
– O que? Como assim? Não estou entendendo…
– É isso, se você tivesse sido campeão semana passada, você seria eu.
– Mas eu não fui… perdemos…
– Eu sei. Por isso que eu não sou você.
– O jogo foi difícil…
– Era só chamar a responsabilidade pra você, quer dizer, pra mim, que daria tudo certo!
– Mas eu tentei.
– Tentou nada! Porque você tocou aquela bola paro o ponta? Lembra? Era só cortar pro meio e bater!
– Mas ele estava mais bem colocado.
– Não interessa! Você sabe onde ele dormiu na véspera da partida?
– Como assim? Na concentração…
– Ai, como eu sou besta, quer dizer, como você é besta! Só se foi na concentração do bordel, cheio de mulher pelada correndo de um lado para o outro.
– Putz! Então foi por isso que ele nem alcançou a bola…
– Pois é, se você tivesse marcado aquele gol tudo seria diferente.
– Diferente como?
– Seríamos campeões, só pra começar. Você teria sido o artilheiro da competição!
– É, mas eu não fui…
– Disso eu sei! A imprensa no seu encalço, entrevistas nas rádios, TVs, jornais. Você seria o herói!
– Ah não, porque eu não chutei aquela bola???? – Disse quase chorando.
– Na quarta-feira, encontro com os dirigentes do Barcelona. Sabe o Barcelona? É, o Barça. Contrato milionário, o maior do futebol brasileiro, um dos maiores salários da Europa. Tem noção?
– Ahhhhhhhhhhhhhhhh era só cortar pro meio…
– Na primeira temporada na Espanha, campeão e artilharia disparada. Tá achando pouco? Ainda tem o contrato de publicidade com aquela marca famosa, uma fortuna!
– Nããããããããão…. ponta filho da p… eu achei que ele tava melhor colocado…
– Depois desse sucesso, a titularidade na seleção brasileira foi questão de tempo.
– Eu fui pra Copa?
– Você não, eu fui!
– Não, não, não – disse de cabeça baixa e socando o balcão – eu tava de frente pro gol…
– Agora cê guenta! Na final nós pegamos a Argentina! Que jogo! Três a um pro Brasil, de virada. Advinha quem fez os três gols?
– Eu! – exclamou.
– Não, eu! E o último foi de bicicleta! Eu jogo muito mesmo! E no final do ano ainda fui eleito o melhor jogador do mundo.
– Pára, pelo amor de Deus, pára – dizia desesperadamente – Eu não quero saber de mais nada!

Nessa hora, um monumento de mulher entra no bar. Loira, olhos azuis, coxas torneadas, seios fartos, vestido preto e salto alto. Ela pára ao lado do homem feliz e bem vestido e diz:
– Vamos meu bem?
Admirado com tamanha beleza, nosso amigo, que estava em prantos afogado no seu whisky, indaga:
– Peraí!!! Você não me falou dela!!!!!!
– Pra que? – Disse o homem – Você tocou a bola pro ponta.

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André Fidusi

Publicitário e jornalista por formação, ilustrador por vocação. Futebol na veia. Quem pede recebe, quem desloca tem preferência. Pegar de pé é dibra. Vamo que vamo!

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