Camiseiro

Julinho é um grande amigo meu. Doido por futebol. Daqueles que compram tudo: chaveiro, caneca, bandeira. Certa vez, ao pegar uma carona com ele, vi que carregava duas bolas oficiais iguaizinhas no porta-malas. Pensei: “Porque alguém carrega duas bolas dentro do carro?”. “Vai que uma fura?”, disse Julinho, como se lesse meu pensamento.

Mas um artefato futebolístico em especial era a grande paixão de Julinho: camisas de times. Tinha tanta camisa, que deixava Marcinha, sua esposa, de cabelo em pé. Ir ao shopping era um tormento. Mas não por causa dela. Julinho ficava babando em toda loja de esportes que via pela frente, tipo cachorro olhando frango assado na padaria. E, é claro, saáa com umas duas sacolas cheias, para desespero de Marcinha.
Apaixonado por times ingleses, um dia colocou uma camisa vermelha para ir a um batizado. Quando saiu do quarto, Marcinha deu aquela encarada e sapecou: “Eu não acredito que você vai com essa camisa!”, já com a voz irritada. “Meu bem, essa é a camisa do Liverpool, campeão da Champions de 2005! Número 4, do Gerrard, tem até o patch, olha só!”, retrucou contente. Ela não entendeu nada.

Não pense você que só de times famosos vive a coleção de Julinho. Nas ultimas férias de final de ano, o casal viajou para o Pará. Marcinha planejou cada detalhe do passeio. Pontos históricos, praias, pato no tucupi, cidades do interior. Pois é, cidades do interior. Numa dessas, Marcinha quase perdeu as estribeiras. Julinho avistou uma minúscula lojinha de esportes. Pronto. Saiu de lá vestido com uma camisa do Ananindeua. Isso mesmo, do Ananindeua. “Julinho, nem os jogadores do time devem ter essa camisa!”, já desanimada. “Mas meu bem, o Ananindeua foi fundado no dia que eu nasci! E essa camisa é a do campeonato…”. Marcinha já está longe.

Mas Julinho era radical num ponto. Camisa de clube rival nem pensar. Dois em destaque não tinham lugar na sua vasta coleção. Não vou falar os nomes. Uma vez ganhou de um desavisado uma delas. No outro dia já estava à venda no Mercado Livre. Marcinha não entendia: “Mas você não coleciona camisas de futebol? Então?”. “Tudo tem limite, meu amor. Até a minha coleção”, esbravejou.

A relação dos dois já andava na corda bamba por causa dessa paixão, contra a qual Marcinha insistia em disputar. A gota d’água aconteceu num casamento. Ou melhor, antes dele. Julinho apareceu na sala, depois de horas se arrumando, com a camisa da Seleção Brasileira de 1914, aquela gola pólo com cordinha, por baixo do paletó. “Tô pronto, amorzinho”, disse ingênuo. Bastou. “Chega! Ou eu, ou essa maldita coleção!”, foi o ultimato de Marcinha.

Ontem encontrei Julinho. Ele me disse que sua coleção aumentou.

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André Fidusi

Publicitário e jornalista por formação, ilustrador por vocação. Futebol na veia. Quem pede recebe, quem desloca tem preferência. Pegar de pé é dibra. Vamo que vamo!

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