Eu não nasci cruzeirense. Eu escolhi ser.

Quando eu tinha 5 anos meu pai entrou no meu quarto e perguntou se eu queria ir ao estádio com ele. Fiquei super emocionado, pois até então assistia aos jogos pela TV Telefunken colorida que ele e minha mãe haviam comprado, com muito esforço, imagino. Inclusive, esse detalhe da TV ser colorida foi fundamental para minha escolha. Minha resposta naquele momento foi óbvia: “Claro pai! É o jogo do Cruzeiro?” Meu pai ficou me olhando por um tempo antes de confirmar. Hoje, aos 43 anos, sei bem o que se passou nesses poucos segundos entre a sua pergunta e a minha resposta.

Joãozinho, como era conhecido, foi um dos grandes craques da história de Batatais. Estudou no Colégio São José apenas 1 ano, de 1957 a 1958, mas foi o suficiente para ser eleito 50 anos depois, o melhor jogador de futebol de Batatais de todos os tempos.

Com seus 14 anos bem vividos em Araguari, Joãozinho tinha ido estudar em Batatais, interior de São Paulo, para cumprir um castigo que seu pai lhe aplicara. O menino tinha fugido de casa para jogar bola no Botafogo do Rio de Janeiro. Foi fazer um teste a convite de um olheiro que ficava “garimpando” talentos pelo interior do Brasil. Quando o pai de Joãozinho ficou sabendo, foi buscá-lo imediatamente. Jogador de futebol naquela época era mal visto, vagabundo e sem futuro.

O jovem craque tinha passado no teste, mas não estava a caminho do Rio, e sim de Batatais, para estudar em um colégio interno, extremamente rígido. Assim aprenderia disciplina. Até hoje, Joãozinho afirma que essa mudança de itinerário foi a melhor coisa que poderia ter acontecido em sua vida. A “temporada” de 1957-58 em Batatais foi mágica para o meia-atacante, camisa 10, que defendia as cores do colégio interno. Além das aventuras que passou e amizades eternas que fez, no Campeonato do Interior daquele ano, Batatais sagrou-se campeão e o meia-atacante tornou-se o maior artilheiro de todos os tempos, marcando 30 gols em 8 partidas. Feito que dura até hoje.

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Joãozinho à esquerda com seu parceiro de tabelinhas Chico – Batatais, 1958.

Quando entrei no estádio do Mineirão, a primeira coisa que eu vi foi uma multidão de azul cantando e dizendo que seríamos campeões da Libertadores. Perguntei ao meu pai o que era Libertadores e ele me explicou. A decisão seria na semana seguinte contra o River Plate da Argentina. Foi inesquecível. Pela primeira vez estava vendo ao vivo aquele time de azul jogar. Azul que eu pude reconhecer, pois a TV lá de casa, como disse, era colorida. Era uma época em que todos diziam “rápido e rasteiro como o ataque do Cruzeiro”. E foi mesmo, o time marcou 40 gols em 11 partidas na Libertadores de 1976, quando ganhou seu primeiro título da competição, numa irresponsabilidade de um outro Joãozinho, mas essa história fica pra depois.

A partir daí não perdia um jogo ao vivo. Sempre estava no estádio com meu pai, às vezes com primos e amigos do colégio que estudava. Ficava impressionado com o azul e com as estrelas soltas na camisa daquele time. Isso era único no mundo, e ainda por cima, jogava um futebol fascinante. Fui crescendo, passei pelos anos 80 onde o rival tinha um ótimo time, dava gosto de ver também, mas não se comparava ao que eu já tinha presenciado. Cheguei aos anos 90, época de ouro onde o time celeste ganhou inúmeros campeonatos com mais de 100.000 pessoas ao meu lado: à noite, à tarde, debaixo de chuva. Meu pai já não me acompanhava mais, preferia o conforto de casa, sem o empurra-empurra do estádio. O que era bom também, pois quando nosso time jogava “fora”, era uma ótima oportunidade para assistirmos juntos aos jogos. O século XXI começou do mesmo jeito, rápido e rasteiro, o escrete cruzeirense jogando bem, vencendo jogos incríveis e conquistando campeonatos.

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Leandro e Alex comemorando a inédita Tríplice Coroa em 2003.

Hoje, sei que a vida passa rápido, a gente nasce, cresce e morre. O que faz a diferença são as escolhas que fazemos durante esse percurso. Quando lembro do meu pai entrando no meu quarto e me convidando para ver um jogo de futebol, sei que ali eu fazia uma escolha. Meu pai nunca me obrigou a nada, nem a vestir o que eu não entendia. E quando eu disse “Claro pai! É o jogo do Cruzeiro?”, sei que foi um dos melhores momentos da vida dele, assim como a sua temporada de 1957-58 em Batatais, ter presenciado a conquista da Taça Brasil em 1966, a primeira Libertadores em 1976 comigo a tiracolo, a Tríplice Coroa em 2003, ou quando fomos juntos em 2009 visitar o colégio interno onde estudou para receber uma homenagem por ter sido o melhor jogador de futebol que já passou por Batatais. Uma vida repleta de momentos inesquecíveis, e que só foram possíveis por um motivo: ele, como eu, também havia escolhido ser Cruzeiro.

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Chico ao lado de Joãozinho em 2009. Homenagem ao craque de Batatais.

 

Podcast:

 

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Futbox no Bora Pra Resenha

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Adriano Ávila

A prova inquestionável que existe vida inteligente fora da Terra é que eles nunca tentaram contato com a gente.

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